sábado, 11 de agosto de 2012

canto de ossanha que me perdoe II

voltei para este canto com a esperança de que uma canção me salve do fundo do mar. é como uma cotovia que vem, encosta a ponta das asas no corpo das ondas, apanha apenas um pouco do sal e sai voando para o por do sol. não deixa vestígios. é cruel. não larga sequer o sopro que seus lábios podem produzir de mais belo.
isso passa? digo que não. não é tempo de fruta, nem de uva fresca, daquelas docinhas, verdes, que dão água na boca... não é tempo de nada. é o sol sendo tampado pelos muros do quarto que oprime a íris querendo sair. querendo? quer alguma coisa? há alguma faísca de vontade, de saudade, de meu deus me dê penitência? não é. é tempo de relógio quebrado, da idade sendo enrugada pelas horas anos séculos.
preciso de uma mão para agarrar! poderia ser um lenço, o que quer que seja, uma carta de suicídio, um bilhete de adeus, um post-it dizendo que ainda há. olhando para frente, só consigo olhar para trás.
acho que preciso de um carnaval antigo em que haja palhaços e bailarinas verdadeiros. palhaços para que eu possa desmaiar de rir (e não precise de tantos remédios para dormir) e bailarinas para que eu possa dançar e girar (e assim não use pílulas para escapar tanto da realidade que me chicoteia).
a solução seria vomitar? acordar na hora certa? ter uma rotina normal? andar de bicicleta? ler um livro? ver um filme do woody e sorrir um bocadinho? fazer uma trilha e ver uma luz brilhante no final? ter um contato legal com o arpoador? stop smoking? lavar minha roupa e pintar meu cabelo?
comprei minhas passagens. quem me conhece, sabe para onde.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

do fim

engraçada é a forma como você me olha agora. distante e incompleta, uma miragem do que já foi um dia. uma miragem pode ser a salvação no meio de um deserto, mas não no meio do mar...
o outro lado da moeda é sempre o que cai para baixo, pois é o que você não pode ver. e é justamente o que está encostando os lábios no concreto quente e miserável de todos os dias.
a moeda seria uma ótima miragem, um oásis, um violão cheio de notas tortas. mas teria que não ter lado nenhum para ser meramente parte da imaginação. se bem que só de ver um lado já pode ser real, mas novamente... incompleto.

o amor é como um demônio. te possui, te controla, faz coisas desesperadas. queima. mas os demônios nunca se enganam. enganam o outro. quando o amor começa a te enganar, deixou de ser amor para ser outra coisa...
dizem que o amor pode ser uma miragem, uma moeda, uma vida inteira.

escrevi todo o amor que tenho numa carta. e vou jogá-la dentro do mar, longe da areia, onde só há sal, inundação e horizonte. lá nenhuma miragem irá aparecer, porque não há espaço para isso. tudo já é lindo demais.
vou entrar dentro do barco, ir até o fundo e dar um mergulho. vou nadar de volta à orla, secar os pés e nunca mais encontrar aquela carta.

assim que tem que ser. as letras vão se desfazer, o papel vai ser o mar e o amor vai inverter suas letras e também se tornar parte da imensidão.

domingo, 2 de outubro de 2011

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

je suis seul dans ce domaine

a incompreensão é de novo o signo mãe. estou cansada de repetir as notas do piano incansavelmente, de dançar um tango argentino na sua frente, de quase implorar com os olhos cheios de lágrima. acho que, no final das contas, não adianta. sempre fazemos o que queremos fazer e fingimos que adotamos o outro, dando uma ou outra concessão, mas sempre tudo igual.
sabe, eu poderia ter uma faca no pescoço agora, que você viria com os mesmos argumentos sérios e sóbrios sobre o que devo e o que não devo fazer. já estaria sangrando, e você continuaria falando, negando-se a se sujar com o pouco de sangue escorrendo. eu não imaginava o amor dessa forma. se é que isso é amor... continuar, apesar da dor do outro, o que machuca, porque é moralmente mais certo ou individualmente mais agradável.
eu acho que não quero essa angústia, um 'être seul dans ce domaine'. queria um abraço longo, daqueles que podem durar anos, um passar de mão nos olhos, no corpo, nos lábios, uns dizeres calmos e compreensíveis. não é o momento de me falar sobre como eu deveria me comportar agora. porque, sabe qual é a verdade? eu estou assim. e há algumas possibilidades para eu deixar de estar. na verdade, duas: uma com você e outra sem você. a segunda, eu posso garantir, é bem mais fácil.

chance atrás de chance. ainda não descobri para que tantas.

domingo, 25 de setembro de 2011

sea me

comprei um baú na loja de achados e perdidos.
(devagar pela orla de copacabana, deixava os pensamentos nadarem pelo corpo até o mundo, numa dança envolta de velhice e esgotamento. o mar estava frenético, como se quisesse me puxar, levar consigo tudo que ainda me resta na vida e mais um pouco do suor que contenho guardado em mim. não conseguiu, continuou em sua ressaca solitária, desviei os olhos para lugar nenhum)
cheguei em casa com a felicidade morna, pronta para fazer o que deveria ser feito há muito tempo. era do que eu precisava, quase uma obrigação obstinada, uma via de mão dupla. era a hora de escolher a mão (se houvesse realmente alguma) e apertá-la com força, pedir ajuda, implorar, chorar com orgulho. por favor, preciso acelerar sem bater, sem causar acidentes, sem assassinar essas partes e colagens que me tomam pra si sem perguntar se eu permito.
coloquei o baú na cama, afofado e com carinho. ele seria minha salvação. fui tomar banho, era preciso estar limpa, purificada. o que eu faria era quase um ritual, talvez até mesmo um rito daqueles onde as pessoas saem de si e depois voltam sabendo muito mais sobre a vida. pois é isso que eu quero: tomar a vida num gole só. casar-me com ela sem possibilidade de divórcio.
imagina uma coisa dessas? divorciar-se da vida? não. eu seria amada e desejada por ela, era esse o momento de tê-la, não poderia mais suportar a separação ou traição. porque a vida trai e engana. talvez anos depois você descubra a mentira e acorde de uma partitura em que as únicas notas eram o silêncio.
finalmente, era chegado o momento. sentei-me de frente para o baú e coloquei as mãos sobre ele. aquilo representava um tiro no escuro, a única chance de acabar com tudo, finalmente! ele se transformaria na minha caixa de pandora. depois arranjaria um jeito de me livrar dele, de dar um sumiço, ninguém poderia desconfiar.
fiquei horas ali parada. falando, escrevendo, cuspindo. contei-lhe tudo. desde a primeira lágrima até os dias em desespero, as sucatas que eu guardava como jóias, o lixo no apartamento, o sapato sem cadarços esquecido atrás da porta, os livros não lidos até o final, "a vida que poderia ter sido e não foi". recitei alguns versos de coisas que me faziam chorar, joguei ali dentro cartas, fotografias e até mesmo um esmalte vermelho. inspirei e expirei todo ar que podia.
depois, aliviada, com os óculos de sol cobrindo o rosto, mal conseguindo segurar o baú, levei-o para onde deveria ser levado. ele estaria no único lugar onde era pra estar. joguei-o na praia de copacabana, e finalmente o mar conseguiu tudo que queria de mim.

até agora não sei como consegui carregar aquele peso por tanto tempo. isso não é mais da minha conta, o mar que trate de chorar sozinho.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

ainda há tempo

escrevo porque dói. porque a realidade gosta de dar tapa, cuspir e amassar nossa cara. transforma a vida em um conto escrito por ela, onde escolhe o que quiser, desde as cores do céu até o meu estado de tristeza momentâneo de hoje.
o que seria da vida sem poesia? não só palavras, mas principalmente o sentir, o querer criar, transformar e mudar. não há nada mais terrível do que um texto quando não há comida no prato. não se pode comer a sílaba soluçante, mesmo que se queira chorar. não há poesia no papel enquanto não houver a liberdade, porque poesia que fica só no papel não é poesia.
poesia transborda, inunda, alaga o corpo inteiro. é algo que parece milagre, que faz querer crer em deus. e para onde foi? fugiu para baixo do tapete, foi se esconder longe daqui?
a poesia morre a cada bala perdida. tenta correr, mas não há fuga para a fome. não há para onde fugir, quando o lucro sufoca qualquer tentativa de ser. de ser mais. de querer. tentou escapulir para a lua, para o sol, para os amores ainda vivos, mas tudo é mais forte. a poesia acredita em mais do que somente nós dois, ela é maior, não consegue estar viva só com um amor ou numa música do chico buarque.

é preciso, ainda que com palavras doentes e sonolentas, força para continuar. é preciso, também, transformar a poesia no que ela deve ser: a realidade.

don't dream it's over

julia era um pássaro. com sua rebeldia, abria as asas para longe e voava.
desde pequena enfrentava os "nãos" com "por quês?" e os castigos com histórias que só contava para ela mesma. apanhava muito do seu pai, que queria colocar a filha em seu devido posto: com as bonecas, quieta e atrás da pia.
sempre quis ultrapassar o muro da casa. nos seus sonhos, corria corria corria, mas não sabia aonde chegar. engraçado essa sensação, não é ainda a de estar perdido, mas a de saber que onde estamos não é nosso lugar. quando acordava, o susto de estar no quarto, a cama, a parede pintada de rosa, as milhares de fotos sem graça penduradas num muralzinho. um levantar da cama, um joelho preguiçoso, ai manhã de sol queimando tudo que poderia ser, colocando em chamas a libertad.
julia foi ao mercado fazer compras. todo primeiro domingo do mês era a mesma história. fazer a lista, ver que o dinheiro estava faltando, entrar em desespero, mas comprar o que der. ainda escutava desaforos do pai por ter esquecido uma coisa ou outra.
(a mãe havia morrido há alguns anos. tinha certeza que morrera de tristeza, por não existir amor entre ela e o pai, mas um convívio desgastante, escravo e sem luz, sem força, sem vida.)  
na fila, uma mulher de cabelos compridos e voz suave cantava uma música: there's freedom within, there's freedom without, try to catch the deluge in a paper cup". não entendeu nada da letra, pois não sabia inglês, mas sentiu-se tonta e um pouco feliz, aquela melodia, de alguma forma, se tatuava na pele como uma partitura.
- qual o nome dessa música?
silêncio.
- oi! qual o nome dessa música, desculpe interromper...
- tá falando comigo?
- é. gostei muito do que você tá cantando.
desde aquele momento em diante, não deixaram de se falar um dia. tornaram-se muito amigas. contavam suas tormentas, seus desesperos, compartilhavam as pequenas felicidades. o que julia não sabia é que iria se apaixonar tão profundamente por aquela mulher que conheceu na fila do supermercado.
namoraram por muito tempo até que o pai descobrisse. e o que era a liberdade tornou-se razão para o enclausuramento. julia agora era um pássaro engaiolado. não podia mais ver a pessoa com quem mais se sentia feliz, livre, completa. o pai chamou psicólogos, espancava todos os dias uma parte do corpo e do amor de julia.
o quarto voltou a ser a fogueira, os sonhos cortados pelos gritos e palavrões, as fotografias todas lembravam que a realidade de agora era mais forte do que qualquer sorriso de anos atrás.

- tenho vergonha de te ter como filha. vagabunda, puta!

não ligava para uma palavra do que falava, mas ainda assim sentia umas lágrimas caírem com o orgulho machucado. sentia falta de ver filme e passear de mãos dadas pela praia à noite, dos olhares trocados, das conversas silenciosas e cúmplices, das cartas e das flores, do chocolate de aniversário, da passagem que tinham comprado para o nordeste... queria o corpo e a alma, o cheiro, a voz.
nunca mais a abraçou, sequer pôde se despedir. para onde foi, não sei. julia só conseguiu cantar aquela música novamente anos depois, quando estava fora de casa, com um emprego.
ainda que com asas queimadas no fogão, conseguiu voar. um vôo torto, mas que procurava o seu lugar.